Ficção
Como quase a totalidade de nossas palavras, ficção tem etimologia no Latim: FICTUS, partícipio do passado de fingō e significa “formar”. Seus correspondentes no Grego Antigo (τεῖχος) e no Sânscrito (देग्धि) têm a mesma tradução, “formar”, no sentido de dar a forma a algo, moldá-lo…
A palavra ficção, então, traz na sua longínqua origem a ideia de “dar forma a uma massa”. Provavelmente, nesse passado imemorial, na teórica língua Proto-Indo-Europeia, ficção se relacione ao ato criativo de fazer, dar forma a alguma coisa amorfa, por exemplo, criar um vaso a partir do barro. Ficção, assim, aparentemente, ligava-se às artes plásticas, especialmente, ao se criar esculturas.
Por um processo de transmudação ao longo do tempo, passou ficção a designar não apenas a criação com “massa física” (metais, argila, barro, areia, cera etc.), mas também a criação com “massa imaterial”, ou seja, a “literária”. Ficção se desprendeu da ideia de imagem para definitivamente se unir à concepção de imaginação.
O sentido de que ficcional é “deliberademente falso” ou algo “irreal” é uma “interpretação moderna” da palavra.
Meu gênero literário de longe preferido para ler e escrever é a ficção, que pode ser considerada um fruto da imaginação, mas não irreal, falso.
O imaginário não é necessariamente falso, assim como a realidade não é por si mesma verdadeira. Quantas pessoas – hoje certamente já mortas – em Março de 1869, ao se depararem com o periódico quinzenal de Pierre-Jules Hetzel´s, ao verem o desenho do Nautilus do Capitão Nemo, não se espantaram diante do “absurdo imaginário de Verne“??
Porém, o Nautilus é o retrato dos submarinos atuais, tão comuns para nós!
Não é preciso ir tão longe no passado.
A geração de 1960 – da qual muitos ainda são vivos -assistiu, impressionada, ao inesquecível Capitão Kirk se comunicar vendo a imagem do interlocutor em um “estranho” aparelho de mão! Aquele ficto aparelho do passado, então imaginado pelo piloto de avião Gene Roddenberry, é o nosso celular de hoje.
Quando lemos uma ficção, nunca teremos a certeza se o que é narrado existirá ou existiu. Esse é o traço mais sublime e saliente da ficção: A linha esquálida entre o real e o irreal e a inexistência de uma fronteira rígida entre o passado e o futuro.