Histórias do Ar Crônicas sobre os Acidentes Aéreos e suas Coincidências
Edmundo Lellis Filho

Histórias do Ar

(Crônicas sobre Acidentes Aéreos e suas Coincidências)

Edmundo Lellis Filho Canadá
Edmundo Lellis Filho – Canadá

“A sexualidade, a liberdade e a morte conectam o pisquismo masculino com sua paixão pelo avião”


A exploração de uma relação metafísica e simbólica entre o homem e o avião sempre foi um tema de meu mais profundo e palpitante interesse, desde o 1º acidente aeréo que estudei e especulei.

Esse acidente foi em 13 de Janeiro de 1982. Eu tinha 16 anos.

Ouvir as vozes dos pilotos, em seus derradeiros instantes de vida, cavou na minha adolescência profundos questionamentos. Por incontáveis vezes, eu ouvi, ouvi e ouvi o copiloto, desesperado, gritando para o piloto:

_ Larry, nós estamos caindo, Larry… (16:01:01)

_ Eu sei. (16:01:01)

A ideia do voo, que também se expressa por metonímia através da máquina voadora (avião, balão etc.), tem um conteúdo simbólico da aspiração espiritual de libertação.

Nas palavras de JUNG, o avião:

“evoca, então, as forças cósmicas do inconsciente coletivo, perante as quais o ego consciente mede sua impotência. O avião pertence ao domínio do ar e materializa uma força deste elemento. É o domínio das idéias, do pensamento, do espírito”

Jung

Em interessante lição, JEAN CHEVALIER e ALAIN GHEERBRANT doutrinam que:

 “ao mesmo tempo rápido, delicado em seu mecanismo e difícil de manejar, o avião faz lembrar justamente o comportamento na vida, que se assemelha a uma grande aventura iniciática. Dirigir bem exige competência e domínio de si suficientes para permitirem evoluir nos espaços infinitos (…). Aviões que evoluem no céu revelam forças espirituais, potências cósmicas percebidas em nosso espaço psíquico e que se liberam”.

Chevalier e Gheerbrant

De certa forma, portanto, o amor pelo voo, além de denotar o desejo de liberdade, também realça “a vontade de afirmar o seu poderio no céu apenas para compensar um sentimento de impotência na terra”.

Segundo a teoria dos arquétipos jungianos, o avião pode ser um interessante “Mito”.

Vivemos em um mundo cercado de fatos sugestivos.

Talvez, de todos os passos dados pelas Ciências Naturais, o mais irônico, ao menos para a Filosofia Ética, foi a “desmistificação” do dogma “verdade”.

As chamadas “Ciências Humanas”, tradicionalmente, tentavam fazer da aparente “lógica exata” da Matemática o paradigma de suas equações éticas, sociais, jurídicas, econômicas…

Todavia, desde o princípio do Século XX, no âmbito da Física Quântica, a Matemática já demonstrou a “relatividade” da matéria.

A irretorquível “3ª Lei de Newton“, infalível luz que nos guiava, encontrou nas partículas subatômicas o ultimato de seu reinado. O comportamento das partículas, para quem busca “a verdade”, mergulhou-nos nas mesmas trevas da Idade Média. A “lei de causa e efeito” é “relativa”, porque é inválida fora do macromundo.

A Matemática levou à Probabilidade que, por sua vez, firmou a Relatividade.

Então, é muito provável que “verdade” e “inverdade” se comportem, exoticamente, como “partícula” (“matéria”) e “antipartícula” (“antimatéria”), Quando ambas se “encontram” uma luz se forma e ambas desaparecem do Universo. A reunião daqueles antagônicos, pelos nossos parâmetros cognitivos, não existe.

A continuarem a Ética e as Ciências Humanas a seguir as “pegadas” da Matemática, que simboliza o hermetismo lógico das Ciências Naturais, as doutrinas morais estarão em um infindo “salão dos passos perdidos”.

Um evento pitoresco recorrente me chamava a atenção nas audiências. Quando era Juiz Criminal, espantava-me ao ver que duas testemunhas idôneas no mesmo lugar, na mesma hora e vendo os mesmos fatos davam versões convergentes em aspectos “muito genéricos” dos fatos, e iam divergindo cada vez mais e mais, à medida que o escopo (das perguntas) se estreitava sobre as “particulas” dos fatos, ou seja, “de seus detalhes”.

Dir-se-á que não tinham “boa memória”. Mas eu me certificava de que tinham, através de uma série de questões que dependiam de boa memorização.

A conclusão é que os depoentes não viram os mesmos detalhes, ou viram os mesmos detalhes de modo diferente. Qual o critério de seletividade de detalhes que viram? Ou o quê determinou que percebessem de modo diferente o mesmo detalhe? Eu pensei que a causa era psicológica, algo no inconsciente deles que os precondicionava a “ver” ou “não ver” certas coisas, ou a “ver certas coisas de certo modo”. Todavia, recentemente, sem embargo, a Medicina adicionou um fato novo àquele problema. Neurologistas constatataram que as células de nossos olhos são incapazes de nos fazer perceber as coisas do mesmo jeito. É impossível que, nos detalhes, as pessoas estejam vendo o mundo da mesma forma! Ou seja, há um limite de convergência de nosso ponto de vista sobre a realidade.

Precisei de todo esse enredo argumentativo para uma conclusão: Todo discurso tem seus limites nos detalhes, a partir dos quais as distorções tornam-se crescentes e movem os fundamentos da lógica, de modo que as experiências se tornam válidas apenas no plano pessoal ou subjetivamente.

Homens do Ar é uma coletânea de crônicas sobre o avião, a paixão e o medo que aquela fabulosa máquina desperta, em geral, nas pessoas e, em particular, na perspectiva psicológica masculina.

A questão da relação específica do homem com o avião me surgiu, certa vez, durante uma entrevista com a Psicóloga do Hospital Aeronáutico de São Paulo.


Naquela manhã de 2012, ela checava minha licença de saúde.

A Psicóloga analisava um papel em suas mãos.

Eu suava frio diante do silêncio dela. O Psicólogo é alguém que nos analisa comportamentalmente!

Dos profissionais de saúde, ela é o mais “temível” pelo “amplo espectro” de subjetividade que um laudo psicólogico pode ter para concluir que alguém não está apto a voar. Ora, se um Oftalmo nos reprova no exame “de vista”, ele deve provar a inaptidão por exames clínicos objetivos e aferições feitas por máquinas. Tal objetividade é inaplicável à Psicologia, a princípio.

A Psicóloga pergunta:

_ Então, Edmundo, como está sua vida pessoal?

_ Acho que boa, mas… – obtemperei – eu falo com o meu avião!

Pensei que a Psicóloga se espantaria, mas ela reagiu com passividade, sequer desviando os olhos de um documento onde lia algo sobre os resultados do meu psicotécnico.

_ Isso é normal. Vocês (“homens pilotos”) fazem isso, muitos de vocês…

Fiquei aliviado com a resposta dela que, então, adicionou, preocupadamente, antes de me liberar para voar:

_ Mas, ele não responde para você, responde?

No átimo entre a pergunta e a expectativa da resposta, e agora ela mantinha os olhos bem fixos nos meus, eu conjecturei: O que significa “responder”?

_ Oh, não… – repliquei para o alívio dela, e meu!

_ Bem… Se algum dia ele lhe responder, promete que você vai me procurar!


Os acidentes aéreos e suas curiosas coincidências são outras conjecturas em Homens do Ar.

De todas as palavras do mundo, sem dúvida, a que mais me perturbou: “Coincidências”… Passei a vida tentando compreender porque as coisas “coincidem”. Jamais soube.

Talvez, a espera do entendimento das “coincidências” esteja, para mim, como o retorno de o Pequeno Príncipe tenha estado para o melancólico Antoine de Saint-Exupéry. Por isso, parafraseando o “Puer Aeternus”, eu digo que, “Então, por favor, não me deixem tão triste; escrevam-me depressa”, caso encontrem esse “entendimento”, porque ele é meu Pequeno Príncipe.

Existe, por tudo isso, um mecanismo psicológico acentuadamente diferente entre os homens que têm paixão pela aviação e aquelas que, em lado radicalmente oposto, ostentam medo de avião.

Em Homens do Ar, a aviação é especulada em uma perspectiva metafísica na tentativa de explorar a oculta razão da relação de medo e paixão pelo avião.


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